A saga de um camponês
Dia mais festivo do que aquele nunca tinha visto. Pela manhã havia vendido aquele cachacinho, pequeno eternamente, é... digo isso porque vi com os meus próprios olhos, podia demorar o tempo que fosse e ele não crescia.Com o dinheiro que aquele homem desconhecido que vinha tangendo uma charrete cheia de porcos e leitões, conduzida por duas mulas pretas altivas e verdejantes, praticamente um abençoado que passava de sítio em sítio nas redondezas, comprei meu primeiro sapato: era caramelo, mandei engraxar; a barganha tinha sido feita em uma sapataria em Viçosa, cuidava como se fosse um filho predileto, usava-o para ir à missa nas tardes dominicais, evento mais importante; “mundaréu” de gente que era visto nas estradas para a cidade, não se contava, como sertanejo fugindo da seca.
Vivia essa vida pacata e serena de um camponês cristão e temente a Deus, acostumado a pouco pão e muito suor, labutava na roça desde os sete anos de idade a pés descalços, sujos de terra vermelha a mercê, de espinhos malignos, nossos inimigos. Inimigos mais temerários eram as cobras, para isso rezávamos a prece de São Bento que mamãe nos ensinou desde criancinha, nós considerávamos que armadura melhor não existia: estávamos imunes. “São Bento livrai-nos dos maus pensamentos e dos bichos peçonhentos’’
Éramos os únicos na vizinhança que possuíam moinho, os vizinhos nos davam várias sacadas de milho para serem moídas e transformarmos em fubá, que era o princípio de nossa alimentação, com ele mamãe fazia cuscuz, cural, polenta, canjiquinha, assado ou cozido, o milho era nossa base. Aquelas mãos, um mar de delicadeza, porém um poço de habilidade. O preço da moagem era pago geralmente com uma galinha chocadeira, animais e serviços, eram a moeda corrente local naquele interior longínquo.
Agora me tocaram as lembranças dos pratos caboclos muito apreciados, durante a semana comíamos legumes com mandioca e polenta, a janta ocorria às três da tarde, que era geralmente cuscuz com café; a última refeição era às cinco da tarde: canjiquinha cozida a base de milho. Nos domingos era uma alegria só, frango na panela com quiabo. Duas vezes ao mês papai abatia um porco e com a gordura mamãe fazia aquele arroz inesquecível marcado nas nossas memórias, a dieta de um camponês.
As épocas de mais trabalho eram no inverno e no outono, no verão escaldante os brotos não vingavam, vítimas da seca, portanto não se gastava o tempo de plantar, dedicava-se apenas aos animais, nessas épocas de folga eu trabalhava na olaria de Seu Geraldo que encarregava-se das minhas refeições, recebia um modesto salário que era empregado na compra das sementes.
O trabalho na minúscula lavoura de café nas terras de papai fez-me deixar aquele delicioso aprendizado na escolinha local. A nostalgia toma-me todas as manhãs, lia os textos de alfabetização que a professora Maria do Carmo nos passava, o texto era de Vicente Matos Caetano um religioso local que fora estudar teologia e relatava saudades de sua terra querida, saudades como a minha.
“Ervalha, terra querida, és o meu ninho de saudade dos meus tempos de criança, vale florido na terra de Rodolfo Monsenhor que da vida fez canteiros e das almas fez a flor. Este filho longínquo quando teu sino desperta eu soluço Ave Maria”
Aos dezesseis anos colocava os sapatos engraxados, terno e calças engomadas e partia para a cidade. Na cidade em frente à paróquia, geralmente aos domingos, conhecer e conversar com as moças da cidade. A praça era redonda, os homens passeavam pela direita e as moças pela esquerda, o ponto de encontro era na porta da igreja onde os casais sentavam-se e era também de quem tomasse coragem, provavelmente traçando sua vida conjugal, é... e foi numa dessas passeatas que conheci sua avó.
Aos dezoito resolvi tentar a vida em Cubatão, guiado pelo meu primo, levei apenas a carteira, alfabetizado e sabendo as operações simples entrei na Companhia Siderúrgica Paulista, em seguida trouxe sua Avó, criamos três filhos e estamos aí para contar a história da saga de um camponês.
Essa história foi relatada pelo meu avô materno Gastão Pedro Rodrigues e registrada por mim Matheus Rodrigues Correia da Silva.
Matheus tem demonstrado um admirável talento para História e Escrituras, é muito bom poder colaborar como
sua professora, fã e orientadora.
Tudo de bom (e do bem), ninja do pensamento!
Professora Maria Paula Pirajá
(Atenção, 7ª, eu sou assim, quando eu amo, eu amo, e sou muito fã de vocês, por isso no que depender de mim, vocês sempre darão o melhor que puderem...)
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